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ISONOMIA CONSTITUCIONAL: A IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES E SEUS REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO CIVIL

  • Foto do escritor: Ghislaine Alves
    Ghislaine Alves
  • 25 de ago. de 2023
  • 14 min de leitura

1. Resumo

O presente artigo aborda, de forma breve, os reflexos do princípio da isonomia constitucional na legislação civil. A atual Constituição reconheceu a igualdade plena entre homens e mulheres, revogando dispositivos do Código Civil de 1916, que ainda vigorava na época, e que continuou vigorando por 14 (quatorze) anos, até que, em 2002, foi publicado o atual Código Civil. Essa legislação refletiu em seu texto o princípio da isonomia, o que não poderia ocorrer de forma diferente, já que a Constituição é a Carta Magna e todo o ordenamento deve respeitá-la. Fez-se, portanto, uma abordagem sucinta dos principais dispositivos que foram alterados em virtude do reconhecimento da igualdade plena entre homens e mulheres, traçando um paralelo entre o Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002. Para isso, foi utilizada a pesquisa bibliográfica e o método comparativo, com a finalidade de alcançar o objetivo proposto, concluindo-se que o amparo constitucional assegura às mulheres a garantia dos direitos reconhecidos na legislação civil, ratificando a constitucionalização do direito civil, porém, cientes de que há ainda muito a avançar no sentido da efetividade da igualdade.

Palavras-Chave: Isonomia Constitucional – Código Civil – Modificações


2. Introdução

A Constituição Federal de 1988 é considerada um marco na questão da igualdade. Elevada a princípio constitucional, a chamada isonomia determina que “todos são iguais perante a lei”, não foi inovação da Constituição de 1988, uma vez que já havia sido abordada em Constituições anteriores. Ocorre que, de forma pioneira, a atual Constituição trouxe expressamente a igualdade entre homens e mulheres em seu texto, o que gerou impactos na legislação civil que previa tratamento desigual especialmente ás mulheres, notadamente por se tratar de uma lei que foi elaborada no início do século XX e não refletia mais a realidade da sociedade atual.

É fácil constatar que, quando se fala sobre igualdade entre homens e mulheres, apesar de inúmeras conquistas alcançadas no plano social durante o século XX, na legislação civil pátria, o Código Civil de 1916 perseverou por quase 100 anos regulando atos da vida civil, trazendo como referência a conduta de vida e os modos do século XIX, e, como veremos, mesmo após diversas constituições, ele continuou sendo a referência civil até Constituição de 1988, ato jurídico que iniciou o seu processo de obsolescência, trazendo mudanças sob o aspecto do reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres. Todavia, como o ordenamento civil em vigor ainda era o de 1916, muito embora com alguns dispositivos revogados, somente em 2002, com a publicação do atual Código Civil, parte dessas incoerências sociais, decorrentes do não reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres extirpada do ordenamento em 1988, puderam ser corrigidas.

Propõe-se, nesse estudo, uma abordagem simples acerca das principais modificações na legislação civil em busca da efetivação da isonomia constitucional entre homens e mulheres, considerando-se, também, as necessidades de mudanças e efetivação para tal fim.


3. O Código Civil de 1916 e a Sociedade Patriarcal

O primeiro Código Civil brasileiro, publicado em 1916, refletia em seu texto uma sociedade rural, patriarcal e conservadora, e diversos artigos expressavam claramente esses aspectos, quando, por exemplo, colocavam o homem numa posição de superioridade em relação à mulher, como chefe da família e titular do pátrio poder. Portanto, nessa legislação, o homem mantinha uma situação privilegiada com relação à mulher, especialmente na direção da sociedade conjugal, sujeitando a mulher às suas decisões, tolhendo sua capacidade civil e até mesmo possibilitando o defloramento desconhecido pelo cônjuge como possibilidade de anulação do casamento.

É plausível admitirmos esse contexto em 1916, época que preponderava a submissão e dependência feminina, e praticamente não havia ocupação das mulheres nos espaços públicos. Entretanto, devemos lembrar que o Código de 1916 vigorou até 2002, quando foi publicado o atual Código Civil, que efetivamente teve os seus efeitos consolidados a partir de 2003, devido ao período de vacacio legis de um ano. Desse modo, em 2002, praticamente em nada mais refletia a condição feminina os dispositivos que foram inseridos no Código de 1916.

Historicamente, no início do século XX, no Brasil, a mulher ainda era considerada propriedade masculina, passando do domínio do pai para o marido, e à ela praticamente não era conferida qualquer autonomia. Não podia votar, não tinha autonomia financeira e não ocupava espaços públicos, não estudavam além do estritamente necessário para comunicar-se com uma certa desenvoltura perante seus cônjuges, e habitualmente suas atividades estavam restritas ao âmbito doméstico. Além disso, na esfera civil, não tinham autonomia nem lhes era conferida capacidade.

O Código Civil de 1916 foi o reflexo dessa sociedade, demonstrando a desigualdade nítida entre homens e mulheres em diversos dispositivos. Venosa (2016, p.16/17) relembra que

Os Códigos elaborados a partir do século XIX dedicaram normas sobre a família. Naquela época, a sociedade era eminentemente rural e patriarcal, guardando traços profundos da família da Antiguidade. A mulher dedicava-se aos afazeres domésticos e a lei não lhe conferia os mesmos direitos do homem. O marido era considerado o chefe, o administrador e o representante da sociedade conjugal. Nosso Código Civil de 1916 foi fruto direito dessa época.

Em nosso Código Civil de 1916, refletindo essa desigualdade, havia artigos que remetiam ao Pátrio Poder exercido com exclusividade pelo homem, que era o chefe da família (art.233); à indissolubilidade do vínculo conjugal (não era previsto no código a possibilidade do divórcio); o ingresso feminino no mercado de trabalho apenas mediante autorização marital (art.242); à exigência da virgindade feminina até o casamento, sendo que sua não constatação era causa de nulidade (art.219); dentre outros.

Com o passar dos anos, o avanço social e especialmente a conquista da igualdade de direitos, tendo como marco considerável a Constituição Federal de 1988, várias mudanças ocorreram, embora alguns resquícios ainda permaneçam na legislação atual, mesmo que disfarçadamente, e careçam de atualizações.


4. O papel da mulher na sociedade após o Código Civil de 1916 e antes do Código Civil de 2002

Durante o lapso temporal que ocorreu entre o Código Civil antigo e o atual, de quase cem anos, o papel da mulher na sociedade mudou de forma significativa, e, atualmente, em nada guarda relação com o contexto de criação da Legislação Civil de 1916.

A mulher, antes restrita ao ambiente familiar e doméstico, passou a ocupar espaços públicos, e assumir funções antes designadas de forma exclusiva ao homem, como cargos de trabalho, o voto, e a gestão e decisões sobre a família e sobre si mesma. Em decorrência de lutas individuais e entravadas também por movimentos feministas, da possibilidade de planejamento familiar, da autonomia da vontade e mesmo por necessidades pessoais, a antiga posição de submissão já não era mais pertinente, como também a almejada igualdade começava a se configurar, especialmente nas relações familiares. As mulheres também passaram a reivindicar o direito ao estudo e ao trabalho (A CLT, de 1943, já assegura a proteção à maternidade com a estabilidade, e a licença gestante), e inúmeras foram as modificações ocorridas a partir daí.

Um grande marco legislativo feminino que expressou essas significativas mudanças sociais foi o Estatuto da Mulher Casada, Lei nº 4.121, de 1962, que conferiu capacidade civil à mulher, antes considerada relativamente incapaz (necessitava da assistência do marido para ratificar os atos da vida civil), e trouxe a noção de igualdade entre homens e mulheres. Essa igualdade, consagrada como princípio na Constituição de 1988, seria também expressa no Código Civil atual, em 2002.


5. A Constituição Federal de 1988 e o Princípio da Isonomia

A Carta Magna de 1988 trouxe avanços no tocante ao reconhecimento da isonomia. Embora não tenha sido a primeira Constituição em nosso ordenamento que abordou o princípio da igualdade, foi a primeira que tratou da matéria de forma expressa sobre gênero, estipulando expressamente a igualdade entre homens e mulheres.

Como relembra Cristiano Chaves (2015, p.91),

O constituinte foi, de certo modo, insistente. Primeiro registrou no caput do art.5º: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Logo depois, no inciso I do mesmo dispositivo, reiterou que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Mais adiante, no art. 226, § 5º, voltou a tratar da matéria, repetindo à exaustão que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Nesse mesmo sentido, se pronuncia Maria Berenice Dias (2015, p.50), quando diz que

Não bastou a Constituição Federal proclamar o princípio da igualdade em seu preâmbulo. Reafirmou a direito à igualdade ao dizer (CF 5.º): todos são iguais perante a lei. Foi além. De modo enfático e até repetitiva, afirma que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (CF 5.ºI). Decanta mais uma vez a igualdade de direitos e deveres de ambos no referente à sociedade conjugal (CF 226 §5º). Ou seja, a carta constitucional é a grande artífice do princípio da isonomia no direito das famílias.

É interessante perceber que a presença persistente da igualdade entre homens e mulheres na Constituição Federal demonstra a importância de reafirmá-la perante a sociedade e perante as leis, bem como a necessidade de refleti-la no ordenamento jurídico interno, especialmente no âmbito civil, como forma de conferir dignidade à mulher, e corrigir anos de desigualdade, inclusive jurídica.

Corroborando nesse entendimento, Cristiano Chaves (p.92) mais uma vez expressa o seguinte entendimento

Entendemos que o reconhecimento da tutela jurídica isonômica da mulher é ponto basilar para a afirmação da dignidade da pessoa humana, incorporada como vetor fundante da República brasileira. Aliás, já se percebe, após 1988, entendemos fundamental incorporar a questão da igualdade das mais simples condutas cotidianas até as mais complexas situações sociais.


O reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres retirou a posição de privilégio masculino que vigorou durante anos, reconhecida pela legislação civil, e instituiu uma nova fase para o direito privado brasileiro, que refletiu-se na revogação de diversos artigos que não se adequavam mais com a realidade social, e que, mais tarde, seriam expressos na publicação do Código Civil de 2002, ainda que parcialmente (já que algumas questões relevantes ainda ficaram pendentes de regulamentação).

É interessante perceber, nesse contexto, o processo de constitucionalização do direito civil, ocorrido a partir do texto de 1988, que abordou temas sociais relevantes juridicamente com a finalidade de assegurar sua efetivação. Nesse sentido, Maria Berenice Dias (2015, p.40) manifesta-se

A intervenção do Estado nas relações de direito privado permite o revigoramento das instituições de direito civil e, diante do texto constitucional, forçoso ao intérprete redesenhar o tecido do direito civil à luz da Constituição. Sua força normativa não reside, tão somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade – converte-se ela mesma em força ativa. Embora a Constituição possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. Essa é uma característica do chamado estado social, que intervém em setores da vida privada como forma de proteger o cidadão, postura impensável em um estado liberal que prestigia, antes e acima de tudo, a liberdade. O direito civil constitucionalizou-se, afastando-se da concepção individualista, tradicional e conservadora-elitista do século passado. Em face da nova tábua de valores da Constituição Federal, ocorreu a universalização e a humanização do direito das famílias, que acabou por provocar um câmbio de paradigmas.

Percebe-se, pois, que a antiga visão clássica do Direito Civil privado, isolado esgotou-se, e atualmente tende-se à visão constitucionalizada e mais atual do Direito Civil, que se coaduna com a realidade do Estado Social e efetivação de direitos.


6. O Código Civil de 2002 e os Reflexos da Igualdade entre Homens e Mulheres

No Brasil, em 2002, o Código Civil expressou em seu texto a igualdade entre homens e mulheres prevista na Constituição Federal de 1988, que o antecedeu, como também outras normas, a exemplo do Estatuto da Mulher Casada e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Apenas o reconhecimento constitucional dessa igualdade já revogaria inúmeros dispositivos legais que vigoravam na época da promulgação da Constituição, quando vigorava o Código Civil de 1916, agora incompatível com o texto constitucional no que concerne aos artigos que tratavam de forma diferenciada o homem e a mulher.

Luciano Figueiredo (2018, p.34) relembra que

O advento de um texto constitucional focado no ser humano tornou obsoleto o então Código Civil de 1916 vigente, o qual era focado numa perspectiva patrimonialista. A vigente constituição ultrapassou a ideia segundo a qual apenas haveria família no casamento. Ademais, retirou, em sede constitucional, o caráter indissolúvel do matrimônio. Eliminou, de igual sorte, a indevida discriminação filial, não mais se admitindo falar em filhos ilegítimos, destituídos de direitos civis.

Desse modo, várias foram as mudanças ocorridas na legislação civil decorrentes das alterações propostas pela Constituição de 1988, e o Código Civil de 2002 também refletiu a igualdade constitucional entre homens e mulheres em seus dispositivos. Na verdade, e é importante destacar, essa igualdade na legislação civil foi reconhecida com um certo atraso em relação ao texto constitucional, considerando ter sido a Constituição promulgada no ano de 1988 e o Código Civil em 2002, ou seja, apenas 14 anos depois. Abordaremos, nesse tópico, algumas das principais alterações no texto do Código Civil de 2002, decorrentes da igualdade constitucional entre homens e mulheres.

Uma mudança significativa ocorrida no Código de 2002 com relação ao de 1916 foi a substituição da palavra “homem” pela palavra “pessoa” ao referir-se ao indivíduo, em respeito à igualdade estipulada na Constituição Federal. O Código Civil de 1916, no Primeiro Livro, nos artigos iniciais, não havia tratamento “Das Pessoas”, como no Código atual, mas sim “Dos Homens”, deixando sempre a mulher numa situação subjugada, excluída, à margem de direitos. Atualmente, após o texto constitucional de 1988, em obediência à igualdade, isso não mais ocorre.

Outra importante modificação ocorrida na atual legislação civil decorre da questão da capacidade. O art. 5º do Código Civil em vigor, diferentemente do anterior, não traz qualquer distinção entre a capacidade civil do homem e da mulher, sendo considerados, portanto, plenamente capazes para os atos da vida civil qualquer pessoa ao atingir os 18 (dezoito) anos. A legislação anterior, de 1916, considerava as mulheres relativamente incapazes, e necessitavam do consentimento marital para praticar os atos da vida civil. Essa distinção também mostrava-se totalmente incompatível com a isonomia constitucional, e muito embora já tivesse sido objeto de lei anterior (Estatuto da Mulher Casada), ainda não havia sido tratada no Código Civil de forma expressa. Deve-se ainda ressalvar que a capacidade civil aqui mencionada não se confunde com a autorização para alienar ou gravar de ônus reais bens imóveis, ou mesmo prestar fiança, das pessoas casadas, que necessariamente deverão ter o consentimento do outro cônjuge, tanto o homem quanto a mulher, salvo no regime de separação total de bens.

O Código Civil atual, também refletindo a isonomia constitucional, trouxe a igualdade da idade núbil entre homens e mulheres para 16 (dezesseis) anos (art.1.517), ou seja, hoje, para casar, tanto o homem quanto a mulher podem fazê-lo com a mesma idade, respeitando as condições estipuladas pela legislação, de consentimento dos pais antes de atingida a maioridade civil, ou suprimento judicial desse consentimento. O Código Civil anterior trazia diferenciação dessa idade, ao estipular 16 (dezesseis) anos para a mulher, e 18 (dezoito) anos para o homem.

De igual modo, atualmente, na legislação civil, qualquer dos cônjuges com o casamento pode adotar o sobrenome do outro (art.1.565). No Código Civil anterior, em 1.916, fruto de uma sociedade patriarcal e em situação de desigualdade, apenas à mulher era imposta a obrigação de inserir o sobrenome do marido, como se depreende do art.240 daquele texto normativo (muito embora essa não fosse uma situação impositiva, como defende a doutrina majoritária). Essa modificação também reflete a isonomia constitucional.

Um importante reflexo na legislação civil decorrente da igualdade entre os cônjuges diz respeito à direção da sociedade conjugal. O art.1.567 do atual Código Civil determina expressamente que “A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos”. E continua, em seu parágrafo único, determinando que “Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá, tendo em consideração aqueles interesses”. O texto desse artigo expressamente reconhece a igualdade constitucional e deixa homem e mulher em situação igualitária nas decisões da sociedade conjugal, de forma totalmente contrária ao que ocorria no Código Civil anterior, que atribuía exclusivamente ao homem a direção da sociedade conjugal, a tomada de decisões e o exercício do pátrio poder. É o reconhecimento da autonomia feminina, que hoje participa ativamente das decisões, das finanças e da administração da casa, da direção da sociedade conjugal, com voz ativa e tomada de decisões, de forma igualitária, e não apenas como membro figurante. Portanto, as decisões familiares são tomadas de forma conjunta, e não mais somente de forma isolada pelo homem. O Código Civil de 1916, em seu art.233, reconhecia o marido como “chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos”, notadamente evidenciando a posição de superioridade masculina e colocando a mulher numa situação subalterna. Ademais, o atual Código também suprimiu o uso da expressão pátrio poder (art.380, CC/1916), que remete à figura do pater (pai, paterno), e substituiu por poder familiar, já que esse poder é exercido em condição de igualdade entre os cônjuges (art.1.630, CC/2002).

Por outro lado, em obediência à igualdade constitucional, à mulher também cabe o dever de contribuir com o sustento da família, obrigação antes imposta somente ao homem. O atual Código Civil estipula, em seu artigo 1.565, que “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”, e continua no artigo 1.568, determinando que “Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial”. Percebe-se aqui a condição de companheira da mulher, em igualdade plena entre os cônjuges, inclusive para os deveres de sustento e manutenção do lar. Antes, no Código Civil de 1.916, o art.240 determinava que com o casamento a mulher passaria a ser “companheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos da família, cumprindo-lhe velar pela direção material e moral desta”. Portanto, atribuía o sustento material apenas ao homem. Também é importante mencionar que, a partir dessas modificações, e da isonomia constitucional, tornou-se possível o pleito de pensão alimentícia do ex cônjuge varão à ex cônjuge varoa que tenha condições financeiras melhores que as suas, e que atenta aos requisitos legais, conforme prevê a legislação, o que não era possível anteriormente, posto que apenas o homem pensionava à mulher.

No tocante à escolha do domicílio conjugal, a isonomia constitucional entre homens e mulheres também trouxe reflexos na legislação civil. O Código Civil de 1916 atribuía a escolha do domicílio do casal de forma exclusiva ao homem, como se depreende do art. 233, III, que determina como atribuição do marido, como chefe da sociedade conjugal, o direito de “fixar o domicílio da família, ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao juiz, no caso de deliberação que a prejudique”. Como a mulher era considerada relativamente incapaz, o art.36 detalhava ainda mais o tema, e determinava, em seu caput, que “Os incapazes têm por domicílio o dos seus representantes. Parágrafo único. A mulher casada tem por domicílio o do marido, salvo se estiver desquitada, ou lhe competir a administração do casal”. Percebe-se, pelo texto, que a mulher era colocada numa situação de desigualdade extrema e subordinação, não podendo opinar sobre a escolha do domicílio conjugal, o que foi corrigido na legislação atual, reconhecendo a isonomia. O artigo 1.569 do atual Código Civil determina que “o domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes”. Essa redação mostra-se muito mais coerente com a realidade atual, com a condição de igualdade feminina e inserção plena nos espaços públicos, mercado de trabalho e condução da sociedade conjugal e forma igualitária.

Por fim, mas não menos relevante, é preciso ainda mencionar que devido à igualdade constitucional prevista no texto de 1988, não é mais possível ao homem pleitear a anulação do casamento por constatar que a mulher não é mais virgem, o que era possível sob a égide do Código Civil de 1916. Tal dispositivo viola a Carta Magna por tratar-se de condição diferenciada destinada apenas à mulher, demonstrando forma discriminatória, sendo, portanto, revogada pelo texto constitucional. O Código Civil de 1916 trazia expressamente essa possibilidade quando tratava do “erro essencial” sobre a pessoa a hipótese de defloramento da mulher ignorado pelo marido, tornando insuportável a vida conjugal, no art.219, IV, que determinava que “considerava-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: IV – o defloramento da mulher ignorado pelo marido”. O Código Civil atual aborda a matéria do erro essencial no artigo 1.557, mas, dentre os fatos ali mencionados, não consta a possibilidade de defloramento, por ser incompatível com a isonomia constitucional entre homens e mulheres. Portanto, tal pedido hoje não seria mais admissível em nosso ordenamento jurídico.


7. Conclusão

Apesar dos inúmeros avanços, incontáveis são ainda os desafios. O Código Civil de 2002 foi publicado após quase trinta anos de tramitação em fase de projeto, e expressou em seu texto marcos significativos na igualdade entre homens e mulheres, reconhecendo dignidade à condição feminina, especialmente na relação conjugal e como titular de direitos na esfera civil.

Entretanto, muito há ainda o que progredir, considerando que os avanços nas relações familiares ocorrem rapidamente. Hoje, os padrões familiares não se mostram mais da mesma forma que ocorriam há 20 anos, e especialmente nesse aspecto o Direito Civil não acompanha a evolução em suas normas, deixando a cargo da jurisprudência dos nossos Tribunais a missão de incontáveis pessoas, o que reflete fragilidade e insegurança jurídica.

O Direito Constitucional, nesse sentido, exerce um papel fundamental, e a Constitucionalização do Direito Civil também. No mínimo, os princípios assegurados na Carta Magna necessariamente terão que ser respeitados, por ser essa a Norma Fundamental, de modo que nenhuma legislação infra ou decisão poderá ultrapassá-la.


8. Bibliografia

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